Coisas que aprendi depois de 900 conversas sobre carreira

Coisas que aprendi depois de 900 conversas sobre carreira

Lições que estão escritas em vários livros de gestão, experimentadas na prática em mais de 3 anos como líder

Em novembro de 2020, durante um momento complicado da pandemia e com quase todas as empresas de tecnologia trabalhando remotamente, recebi o convite para assumir uma posição de gerente de um dos times de desenvolvimento na empresa onde estou atualmente. Havia vários desafios: eu já tinha sido gerente de pessoas em uma experiência profissional anterior, mas lá o time era menor, e a cultura das empresas eram muito diferentes entre si. Assumir a responsabilidade de liderar colegas com quem compartilhei o papel de contribuidor individual até dias antes exigiu uma transição suave e focada em objetivos claros. Com uma equipe que prosperava sob a liderança anterior, meu objetivo era manter o momentum e, ao mesmo tempo, promover uma cultura de confiança, colaboração e crescimento pessoal. Durante os 18 meses em que atuei como co-líder, em parceria com um colega, concentrei-me na construção de relacionamentos sólidos, no apoio ao desenvolvimento de carreiras individuais e na promoção de um ambiente de aprendizado e crescimento contínuos. Essa jornada foi marcada por valiosas lições e pelo fortalecimento dos laços entre os membros da equipe.

Em junho de 2022, surgiu a oportunidade de liderar um novo time, marcando o início de um desafio ainda maior. Este novo time apresentava um aumento significativo em tamanho, mais que dobrando o número de membros em comparação ao meu time anterior. Além disso, todos eram desconhecidos para mim, e eu para eles. Diante dessas circunstâncias, emergiram duas missões cruciais: estabelecer conexões pessoais o mais rápido possível, e criar uma atmosfera de confiança enquanto compreendia a dinâmica e a cultura única do time. Desde o início, percebi a importância de investir tempo e energia em conversas individuais com os membros da equipe. Essa abordagem não apenas fortaleceu os laços pessoais, mas também ofereceu informações valiosas sobre as habilidades, pontos de melhoria e necessidades de desenvolvimento de cada pessoa. O aumento significativo na frequência dessas interações, conforme evidenciado pelos números abaixo, reflete o compromisso em construir relações sólidas e verdadeiras:

AnoQuantidade de encontros
202013
2021160
2022340
2023314
202474

Cada encontro não apenas contribuiu para o fortalecimento do vínculo de confiança, mas também serviu para mostrar a todos meu compromisso em apoiar o crescimento e o sucesso de cada membro da equipe. As estatísticas vêm do meu Toggl, onde registro todas as minhas atividades profissionais desde o primeiro dia na atual empresa. Em 2022, o número de conversas com as pessoas (as famosas 1:1s) mais que dobraram em comparação com o ano anterior, e permaneceram no mesmo patamar no ano seguinte (anos de 2020 e 2024 contêm estatísticas de apenas 2 meses). Foram mais de 465h de conversa em 40 meses de trabalho como gerente de pessoas - é a partir de todo este tempo e de tantas conversas ricas que surgiu a lista abaixo.

Meu ano de 2023, em horas trabalhadas por mês

Ela não é composta por verdades absolutas, mas representa minhas percepções a partir de tantas conversas com tantas pessoas, tão diferentes entre si mas tendo em comum um líder que se preocupa em oferecer as ferramentas necessárias para que elas construam suas próprias histórias. Acredito que nenhum item abaixo é inédito, mas é interessante ver como eles se materializam no dia a dia do trabalho com as pessoas.

1. Experiências pessoais complementam a competência profissional: as vivências além do trabalho influenciam significativamente o desempenho profissional. Trabalhar em equipes de desenvolvimento de software demanda mais do que habilidades técnicas, exige também capacidade de solucionar problemas de forma eficaz e colaborativa. Estas características podem ser encontradas tanto em profissionais experientes quanto em novatos, por isso as perguntas sobre hobbies e "o que você gosta de fazer em seu tempo livre" são mais importantes do que possa parecer;

2. Cultivar um ambiente seguro impulsiona resultados: ao oferecer segurança para as pessoas, incentivando-as a reconhecerem e aprenderem com seus erros sem receio de punições, as equipes tendem a se dedicar mais à qualidade do trabalho. Isso se traduz em produtos mais eficientes, com menos falhas e maior facilidade de manutenção;

3. Confiança na liderança impulsiona o desempenho individual e coletivo: profissionais que confiam em seus líderes dedicam menos tempo se preocupando com a opinião do gerente sobre seus desempenhos, o que permite um foco maior em alcançar resultados superiores. Ao invés de ficar presa no pensamento "será que estou indo bem", a pessoa apenas executa seu trabalho com qualidade e encontra espaço para explorar novas possibilidades. E uma das melhores maneiras para estabelecer estes vínculos de confiança é através de diálogos transparentes sobre as aspirações individuais de cada um, e quais escolhas e renúncias estão associadas a estas aspirações;

4. Adaptabilidade é essencial no ambiente corporativo: a capacidade de lidar com situações desconfortáveis é fundamental para navegar bem no ambiente corporativo. Muitas pessoas tendem a acreditar que seus desempenhos individuais são as únicas condições necessárias para promoções ou aumentos de salário, mas a realidade é que controlamos muito pouco de tudo o que está envolvido neste processo de decisão por parte da empresa. Há diversos fatores envolvendo mercado, investimentos, custos, e nada disso está ao alcance da maioria absoluta das pessoas. Como indivíduos, vale a pena colocar nossas energias naquilo que conseguimos controlar (entregas consistentes e com qualidade, movimentar-se interna ou externamente quando a liderança não estiver ajudando, reportar os problemas com clareza); do lado da liderança, reconhecer e valorizar essa habilidade é crucial para o sucesso desta relação de confiança, especialmente em um mercado instável;

5. Aspirações individuais são muito distintas, nem todos buscam promoções: este tópico daria um texto à parte, pois é onde há um conflito enorme de gerações. Muitos líderes projetam suas expectativas em seus liderados e não conseguem entender o fato de que pessoas são diferentes (especialmente as mais novas, em comparação com as mais experientes). Algumas pessoas preferem manter-se em seus papéis atuais, pois estão satisfeitas com o equilíbrio entre remuneração e responsabilidades. Reconhecer e respeitar essas preferências, utilizando o potencial de cada pessoa com habilidade, é essencial para a satisfação das pessoas e retenção de talentos;

6. Comunicação autêntica é fundamental: a verdade na comunicação é essencial para estabelecer um canal de confiança entre líderes e suas equipes. O alinhamento entre palavras e ações é crucial para construir relacionamentos sólidos e produtivos, e os exemplos vão desde assuntos complexos como possibilidades de promoção e ajustes de custo, até coisas simples - por exemplo, não enviar e-mails fora do horário de trabalho para não ser um exemplo negativo de separação entre vida pessoal e profissional. Uma relação de confiança possibilita que conversas difíceis sejam menos difíceis, mas elas precisam acontecer de forma transparente e objetiva mesmo que, no momento, a relação de confiança possa ser abalada. Às vezes, conversas difíceis são necessárias para que todas as pessoas envolvidas saibam explicitamente o que está acontecendo (ao invés de deixar coisas implícitas), e com isso tenham chances de melhoria. Não dá pra tentar melhorar sobre algo que não se sabe que está errado, e o líder precisa agir quando necessário;

7. Reconhecimento da individualidade: compreender e respeitar as diferenças individuais é essencial para uma liderança eficaz. Adaptar abordagens de acordo com o perfil de cada membro da equipe contribui para um ambiente de trabalho mais inclusivo e produtivo. Algumas pessoas são mais extrovertidas, outras mais introspectivas; umas sentem prazer em debater hipóteses e explorar possibilidades, outras preferem receber tarefas o mais especificadas possível. Todas as pessoas são importantes para um time! E quanto mais diversidade existe em uma equipe, melhores são as soluções entregues por ela, técnicas e de organização;

8. A cultura da empresa influencia a dinâmica de liderança: parece óbvio, mas infelizmente muita gente não entende isso com clareza. Uma cultura organizacional forte facilita a liderança eficaz, proporcionando suporte e recursos para o crescimento e desenvolvimento profissional. O alinhamento entre valores corporativos e práticas de liderança é fundamental para o sucesso organizacional e, por consequência, dos indivíduos.

9. Escuta ativa fortalece o engajamento: demonstrar interesse genuíno pelos membros da equipe por meio de uma escuta ativa fortalece os vínculos e promove um ambiente de trabalho mais colaborativo e produtivo. Em tempos de trabalho remoto, onde as conversas acontecem via chamada de vídeo, é muito tentador para a liderança realizar atividades em paralelo para “salvar tempo”. Este tipo de atitude cobra seu preço ao longo do tempo, com pessoas desmotivadas e que, eventualmente, pedem demissão - aí, o tempo salvo lá atrás será todo gasto para encontrar uma nova pessoa, além de todas as despesas com esta operação;

10. Construir confiança é uma jornada contínua: A construção de confiança requer tempo, dedicação e consistência por parte dos líderes. É uma responsabilidade fundamental do líder facilitar o estabelecimento e manutenção de relações de confiança dentro da equipe. Por mais que o senso comum nos leve a pensar que a responsabilidade pelo estabelecimento da confiança seja mútua, o fato é que existe uma relação hierárquica em jogo, e com ela há também a responsabilidade do líder de facilitar ao máximo o caminho do seu time;

Por fim, liderança de pessoas é um trabalho que exige dedicação e, principalmente, empatia. Pessoas são complexas e lidar com complexidades é exaustivo, porém recompensador. Não há dia ruim que resista à frase “obrigado por me ajudar a entender o que eu quero e não quero como profissional, e por estar do meu lado para alcançar meus objetivos”.