Três coisas que não funcionam bem com comunicação assíncrona (e como eu lido com elas)

Três coisas que não funcionam bem com comunicação assíncrona (e como eu lido com elas)

A consolidação do regime de trabalho remoto ou híbrido é um fato. De acordo com pesquisa realizada pela Korn Ferry, 85% das empresas ouvidas pela consultoria adotaram o regime de trabalho remoto para os próximos anos, parcial ou totalmente. Em 2015, este número já era considerável - de acordo com pesquisa da Gallup, 37% dos profissionais nos EUA já buscavam/preferiam esta modalidade de trabalho. No Brasil, havia uma impressão empírica de muitas empresas de que os trabalhadores seriam menos produtivos se não estivessem nos escritórios - precisou acontecer uma pandemia para derrubar este mito.

Mas, se o futuro do trabalho é assíncrono, como lidar com uma geração de profissionais que aprenderam a trabalhar e consolidaram suas carreiras baseados em trabalho presencial e síncrono? Há muita gente boa pensando nisso, e muitas empresas abraçando o desafio de acertarem e errarem enquanto o modelo não se estabiliza. Pensando neste movimento de transição de modelos forçado pela Covid-19, este texto se propõe a falar de 3 coisas que não funcionam bem no trabalho assíncrono, e como eu estou lidando com elas.

Dois centavos pessoais sobre trabalho assíncrono

As ciências comportamentais têm avançado muito nos últimos anos em propor teorias que ajudem a explicar alguns dos comportamentos humanos, e como somos socialmente impactados por eles. Um dos meus livros preferidos é o Rápido e Devagar, do Daniel Kahneman - graças ao trabalho dele, sabemos que há uma tendência de tomarmos decisões ruins para problemas complexos quando utilizamos o sistema 1 (ou rápido). Em conversas síncronas, no dia-a-dia do trabalho no escritório, tendemos a utilizar o sistema 1 para responder argumentações, propor novas ideias, discutir problemas técnicos, sugerir promoções ou demissões. Não é impossível criar uma rotina para jogar estas ações para o sistema 2, porém quem consegue é exceção.

E por que é importante jogar estas questões para o sistema 2? Porque ele é ponderado, analítico, lógico. E todos os exemplos que mencionei acima exigem estas habilidades para que decisões sejam tomadas com qualidade. Há ainda um outro porém: o sistema 2 consome muito mais energia do que o sistema 1. Não é raro nos sentirmos exaustos depois de um longo dia de trabalho preenchido por tarefas analíticas - quantas pessoas já ouvimos comentar que se sentiam cansadas "mentalmente"? Pois é.

E por que estou falando disso? Porque o trabalho remoto, na figura da comunicação assíncrona, conversa diretamente com as duas características que citei acima. Temos mais tempo para formular uma boa resposta para a pergunta enviada por escrito; somos menos impulsivos e mais racionais quando somos confrontados com uma notícia ruim, ou uma situação difícil e que exige decisões firmes; temos mais tempo (e, geralmente, condições ambientes mais favoráveis, com menos interrupções) para pensar e analisar mais hipóteses visando resolver determinado problema técnico. Além disso, ainda que fiquemos mais cansados, estamos no conforto de casa, sem ter que enfrentar longos trajetos de volta pra casa, com trânsito, stress, e intempéries.

Em alguma medida, isso ajuda a explicar porque as pessoas passaram a querer mais o trabalho remoto, ainda que a saudade do escritório após 2 anos de pandemia seja grande para uma parte delas. Não foi somente a vida pessoal que melhorou, mas a profissional também.

Nem tudo se resolve com comunicação assíncrona

É claro que existem situações que exigem atenção e foco das pessoas naquele momento. Por exemplo, se o aplicativo do seu banco digital parar de funcionar na sexta-feira à noite, você não gostaria que a mensagem do suporte técnico para o time de engenharia fosse lida somente na segunda-feira de manhã. Existe uma vida de festas, boletos, supermercados, farmácias, e uma infinidade de outras coisas que não podem esperar.

As três principais situações no meu dia-a-dia nas quais a comunicação assíncrona não funciona (e quais são minhas estratégias para elas) são:

Emergências

Como no exemplo acima, algumas situações exigem resposta imediata (de preferência, também eficaz). É leviano com o seu time e sua empresa assumir que não existirão situações de emergência. Este é um excelente exemplo de cenário no qual esperamos que nosso sistema 1 esteja treinado e apto para reagir rapidamente. A primeira lição que se aprende sobre emergências em auditorias de empresas é: procedimentos de emergência não são definidos durante emergências, são seguidos.

Mas, se a empresa está toda orientada para uma comunicação assíncrona, como alterar o modo de execução em tempo real, de forma rápida?

Corre!

Definir, revisar e treinar processos de emergência: a melhor forma de visualizar isso são os treinamentos de evacuação de prédios em caso de incêndio - lembra quando tínhamos que fazer isso, quando o trabalho ainda era presencial? Se você tiver o azar de estar dentro de um prédio em chamas, a última coisa que você quer é ter de pensar em qual jeito de sair dele. Este processo precisa ser automático:

a. Vou me levantar da mesa, pegar pertences pessoais essenciais, me direcionar até a saída de emergência localizada à esquerda da sala;
b. Vou abrir a porta com cuidado, outras pessoas estarão descendo pelas escadas;
c. Vou começar a descer pela direita da escada, segurando pelo corrimão, andando com calma para não atropelar pessoas;
d. Ao sair do prédio, vou me direcionar ao ponto de encontro definido pela brigada de incêndio;

Mesmo que existam condicionais neste plano, ele tende a ser muito mais eficaz do que alternativas imaginadas no calor do momento (desculpa). Estabeleça planos claros de ação, e comunique-os com frequência para o time e a empresa;

Determinar um canal de comunicação de emergência: todos do time precisam que suas atenções sejam retiradas das suas atividades de rotina e redirecionadas para a emergência de forma rápida. É por isso que existe um sinal sonoro e visual irritante para o caso de incêndios, ou o telefone vermelho na mesa de comandantes. Em times de desenvolvimento de software, onde geralmente temos diversas maneiras de nos comunicar (Microsoft Teams, Slack, Hangouts Chat), uma possibilidade é criar um grupo ou canal de broadcast em um aplicativo como o Whatsapp ou Telegram, e enviar mensagens por lá apenas quando algo urgente está em andamento. Assim, todos do time receberão por padrão as notificações destes aplicativos e, porque estarão treinados (de acordo com o item acima), saberão que algo está acontecendo. Uma outra vantagem desta abordagem é que, no trabalho remoto, nem sempre estamos na frente dos computadores, mas raramente estamos longe dos nossos celulares.

Alterações importantes para o time

Um dos problemas do trabalho remoto é a dificuldade de criar conexões com pessoas que estão fisicamente distantes. Neste aspecto, o trabalho presencial tem vantagem, particularmente em culturas abertas a isso, como a brasileira. Existem várias estratégias que visam minimizar este impacto, e uma delas é exatamente a comunicação de alterações no time em tempo real.

Ao receber uma pessoa nova no time pela primeira vez, é importante que todos vejam quem ela é, assim como a pessoa que está chegando também possa ver seus novos companheiros e companheiras digitais. No caso de saídas de pessoas, ou mudanças organizacionais, a comunicação através de uma reunião garante que a mensagem seja clara para todos, evitando distorções. A maneira como abordamos isso no time é estabelecendo a apresentação de novos membros nas reuniões semanais, onde todos são convidados a abrirem suas câmeras (ao menos por um momento). Comunicações de saída também são feitas nas reuniões semanais e, quando não é possível, marcamos reuniões ad-hoc onde deixamos claro no convite a importância da presença.

Comemorações e confraternizações

No começo da pandemia de Covid-19, muitas equipes tentaram trazer suas cerimônias e ritos do presencial para o remoto, com ajustes. Foram tentativas válidas, afinal pouca gente tinha experiência em trabalho remoto. Ao longo do tempo, os líderes mais espertos perceberam que não bastavam ajustes - era necessário criar novos ritos, adequados ao novo regime de trabalho.

Por isso, este tópico precisa ser lido com cuidado. Definitivamente, ninguém mais aguenta happy hours simulando mesas de bar, ou festas de fim de ano via Zoom. Mas há muito espaço para inovar nas maneiras como comemoramos metas alcançadas pelo time/empresa.

O importante, neste caso, é que momentos desta natureza sejam feitos ao vivo. Receber uma boa notícia via e-mail é legal, mas recebê-la através de uma pessoa falando (mesmo que seja para uma câmera) tem um impacto completamente diferente. No caso de confraternizações de time, não fique preso somente a “todo mundo abre a câmera e conversa sobre qualquer assunto exceto trabalho”. Utilize-se de outros recursos para aumentar a imersão da pessoa, seja através de aplicativos de entrega de comida, ou algo planejado com antecedência.