Por que me sinto um impostor, e como tento lidar com isso todos os dias

Por que me sinto um impostor, e como tento lidar com isso todos os dias

Você sente constantemente que não é inteligente o bastante para fazer o seu trabalho? Sente que não tem a experiência e a qualificação necessárias para o que faz e, simplesmente, chegou no lugar onde está hoje por conta de uma sequência de acasos com pitadas de sorte? Se as respostas foram afirmativas, é bem possível que esteja diante de um caso clássico de síndrome do impostor - e, talvez, você já saiba disso. O que é nebuloso para a maioria de nós é que não estamos sozinhos. Muitos engenheiros de software sofrem de alguma forma de síndrome do impostor, e não cuidar disso desde o início pode nos levar à ansiedade e depressão, tornando-se uma enorme resistência para nossa progressão de carreira.

A Dra. Valerie Young, uma importante pesquisadora em síndrome do impostor, afirma que existem cinco tipos de traços da síndrome do impostor:

  • Especialista (Expert): o sentimento de que é necessário entender os mínimos detalhes de tudo para fazer qualquer coisa bem;
  • Super-herói (Superhuman): acreditar que se deve ter sucesso em tudo o que faz, o fracasso não é uma opção;
  • Solista (Soloist): acreditar que se deve dar conta de tudo sozinho, e que pedir ajuda é como um crime;
  • Tolo médio (Natural Genius): pensar que todo mundo é gênio e apenas você é mediano;
  • Perfeccionista (Perfectionist’s): exigir que tudo seja sempre perfeito e, por consequência, considerar como falha quando não atingir atingir seus próprios padrões de perfeição.

Identificar-se com qualquer uma dessas características, entender de onde elas estão vindo e mapear alternativas para lidar com elas podem tornar a convivência com a síndrome do impostor menos dolorosa.

Não me encaixo na narrativa

Existem diversas situações no nosso dia-a-dia que podem nos levar para o lugar de auto-questionamento sobre nossa capacidade. No mundo da engenharia de software, é possível identificar três situações principais que podem ajudar a entender esse fenômeno. Primeiro, quando começamos a acreditar que todos ao nosso redor são mais inteligentes que a gente e, portanto, passamos a questionar tudo o que fazemos (o tolo médio, de acordo com a Dra. Valerie). Isso acontece com frequência com pessoas que não passaram pela vida de acordo com a definição-padrão de caminho de sucesso disseminada na sociedade. Ao perguntar para uma pessoa com sinais de síndrome do impostor o que uma carreira de sucesso significa para ela, provavelmente haverá respostas como ser um aluno nota 10 na escola (incluindo as aulas de física e matemática no ensino médio), frequentar uma universidade considerada de primeira linha, ter um currículo recheado de cursos e conquistas. Receber várias ofertas de trabalho e, dentre elas, selecionar uma empresa incrível, listada nos rankings de melhores locais para se trabalhar. O problema em assumir isso como um padrão de sucesso é que não avaliamos as pessoas ao nosso redor pela mesma régua a qual utilizamos para avaliar a nós mesmos.

314366738_152851827113390_968974352295880579_n.jpg Crédito: Dinos and Comics

Nas conversas com amigos que são de outras áreas, é comum ouvir que escolheram uma profissão que não oferece altas remunerações, e que vão começar a estudar programação, mesmo não gostando muito. Embora eu concorde que a programação é uma habilidade que deveria ser (ao menos) conhecida por muitas pessoas, este tipo de decisão cria um terreno fértil para germinar e crescer a ideia de que não somos bons o suficiente ou simplesmente não pertencemos àquele lugar. Não existe um único caminho para o sucesso, a própria definição de sucesso é algo particular, baseada na experiência e nos referenciais de cada pessoa.

Além disso, em alguma medida o conceito de sucesso tem semelhança com o conceito de felicidade - não dá pra ser feliz o tempo todo, assim como o sucesso não é um estado permanente da nossa existência. O sucesso é um lugar que se visita. A maior parte da nossa vida é composta por esforço, dedicação, tentativas, e a grande maioria das pessoas acorda todos os dias para se juntar a esta jornada (respeitando-se nossas diferenças e privilégios), na qual estamos sujeitos a sucessos e fracassos, e ambos são importantes.

Neste momento, muita gente diria que o ideal é “seguir sua paixão e fazer o que você ama”, e isso certamente ajuda a lidar melhor com o trabalho. Porém, trabalho é uma relação comercial consentida entre as partes envolvidas: de um lado, o indivíduo está colocando seu tempo, dedicação e conhecimento a serviço de uma entidade que, por sua vez, remunera este pacote com algum valor financeiro. É uma troca, na qual o objetivo da pessoa é obter dinheiro (e, com ele, realizar sonhos e cumprir com suas obrigações), enquanto o objetivo da entidade é converter trabalho em valor para seus consumidores e parceiros. A partir desta perspectiva, se uma entidade aceitou contratar uma pessoa para uma determinada tarefa, é porque esta entidade acredita (de acordo com os critérios que fazem sentido para ela) que esta pessoa é capaz de executar tarefas importantes para ela dentro dos padrões de qualidade esperados.

Quando analisamos a questão do trabalho sob este olhar, passa a ser compreensível que a gente se cobre a tal ponto que começamos a acreditar que não temos as habilidades esperadas para atender às expectativas dessa relação. É praticamente impossível acompanhar todas as tendências e discussões sobre o vasto e complexo mercado de tecnologia, e começamos a ficar para trás em um ou outro tópico que, daqui a pouco, aparece na nossa frente materializado pelo pedido para uso de determinada linguagem de programação ou framework, por exemplo. Como consequência, começamos a sentir que não somos qualificados o suficiente para cumprir com nossas obrigações, o que nos tira a confiança e, como resultado, deixamos de sentir que pertencemos àquele lugar (porque todas as outras pessoas já conhecem tal linguagem ou framework, e a gente não). Trazemos a responsabilidade por manter essa relação saudável apenas para nosso lado - se não atingimos os resultados esperados, primeiramente buscamos em nós mesmos as razões para isso, e esquecemos de analisar todo contexto.

Uma certeza: as coisas vão mudar

Uma das áreas nas quais as mudanças ocorrem muito rapidamente é a Engenharia de Software. Nos últimos 15 anos, o avanço da tecnologia (especialmente em torno da internet) acarretou em muitas novidades que iriam salvar o mundo de todos os problemas, e acabaram esquecidas seis meses depois. Tantas ondas e tendências já se passaram que, se você tem 15 anos de carreira e se mantém atualizado com tudo, provavelmente sabe Java, C++, PHP, CGI, HTML, CSS, Ruby, Visual Basic, .NET, C#, JavaScript, Python, SASS, LESS, TypeScript, Angular, React, Swift, AWS, funções lambdas, SQL, NoSQL, filas de mensagens… Daria pra continuar a lista por vários parágrafos.

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Há realmente muito o que aprender e acompanhar, e para não corrermos o risco de ficarmos obsoletos, não podemos ficar confortáveis apenas com o que já conhecemos hoje. Lá atrás, ao escolher esta área, deveríamos saber que a mudança faria parte da nossa rotina ao longo de toda nossa vida profissional (infelizmente, não tive ninguém que me dissesse isso, e demorei uns bons anos para entender por conta própria). Mudança gera desconforto, porque nossas referências estão cada hora em um lugar diferente. Por consequência, precisamos constantemente reaprender onde está a terra firme. Aquilo que a gente sabia até ontem que era a melhor solução para determinado problema deixou de ser porque a tecnologia avançou, ou porque outra linguagem de programação resolveu da melhor maneira, ou ainda, porque o problema nem existe mais da maneira como conhecíamos.

Por isso, um dos pontos-chave para lidar com a síndrome do impostor é ter a consciência de que as mudanças ao nosso redor não definem a qualidade do profissional que somos, mas sim a maneira como reagimos a elas. Precisamos tornar o aprendizado uma parte crítica do trabalho diário. Não precisamos ser especialistas em tudo, mas devemos ter conhecimento prático da maior parte da tecnologia atual, e a capacidade de rapidamente entender os novos contextos nos quais somos inseridos. Lidar bem com a mudança auxilia a nos manter em paz com nossa autocobrança.

Conhecer o caminho versus passar pelo caminho

Um comportamento bastante comum na Engenharia de Software é o confundir a necessidade de sermos especialistas em um assunto com a necessidade de sabermos todas as respostas sobre aquele determinado assunto. Possivelmente, passamos por momentos nos quais precisamos perguntar a alguém que possui um papel de mentoria sobre algum problema, e recebemos uma solução mais elegante e eficiente do que estávamos imaginando. E, neste ponto, pensamos "uau, eu nunca poderia ter pensado em algo assim", e isso é verdade, porque não temos o mesmo nível de experiência (essa é uma das razões pela qual existem mentores). A única maneira de se tornar um especialista é ganhar experiência, e isso leva anos de trabalho. Mas, podemos ser eficazes em fazer coisas mesmo quando não somos especialistas, porque há muitas coisas que tornam nossas experiências e habilidades únicas.

Por exemplo, quando me proponho a escrever um texto sobre síndrome do impostor, um monte de questões vêm à mente. Provavelmente, há um monte de pessoas mais qualificadas do que eu para falar sobre esse assunto. E, ao alimentar este pensamento e deixá-lo crescer, me pego revisando este texto por meses - sim, estou tentando escrevê-lo há meses! -, ajustando um parágrafo, acertando a ordem de duas ou três frases, acrescentando algo que me lembrei enquanto terminava de cozinhar o jantar. O medo de nunca estar bom o suficiente acaba me impedindo de deixar o texto seguir, ainda que toda a sociedade atual esteja nos levando para a direção do feedback rápido, para a cultura do falhar rápido para consertar rápido. Para mim, o antídoto para este raciocínio vem através de outra linha de pensamento: quantas pessoas são boas em contar histórias ou compartilhar suas experiências, ou ainda, em escrever textos coerentes? Existem pessoas ainda mais singulares do que eu nisso e, provavelmente, elas têm milhões de seguidores, mas o fato é que a maioria das pessoas é igualmente boa em orientar os outros, mesmo enquanto está aprendendo, por causa de suas maneiras únicas de aprender, reunir recursos, gerenciar processos de organização de tempo, e assim por diante.

Cover-825x340.png Crédito: aqui

Outro exemplo disso é a prática de programação em pares. Ela pode ser assustadora por causa da síndrome do impostor, pois sentimos que não somos bons o suficiente, não temos as habilidades ou não somos especialistas. Mas quando nos forçamos a programar em pares, descobrimos muito rapidamente que ninguém é perfeito. Todo mundo tem seu jeito particular de fazer as coisas e todo mundo comete erros. Além disso, aprendemos a ficar confortáveis em dizer que não sabemos alguma coisa - ninguém sabe tudo! - mas confiamos em nós mesmos para encontrar a solução. Essas duas coisas combinadas (programar em pares e aprender a dizer que não sabemos alguma coisa) trarão a confiança para fazer grandes coisas mesmo quando não somos especialistas.

Efeito holofote: todos estão mesmo olhando para nós?

Por fim, é importante falar de algo que é mais um efeito colateral do que uma razão para a própria síndrome do impostor: a sensação de que todos estão prestando atenção no que fazemos, olhando para nós, preocupados conosco. Quando nos colocamos nesta posição de estarmos sendo monitorados/observados o tempo todo, absorvemos uma pressão muito maior do que conseguimos lidar, mesmo para pessoas totalmente bem resolvidas consigo mesmas.

A verdade é que todo mundo só quer sobreviver, todos estamos preocupados com nossos próprios problemas. As pessoas raramente têm tempo para se concentrar tanto em outras pessoas - qualquer que seja o destaque que elas estejam colocando em nós por algum momento é um efeito colateral de uma ou mais razões ou traços de caráter já mencionados neste texto. Deixar de lado a sensação de que as pessoas se importam com o que pensamos ou fazemos permite que a gente descubra gradualmente que somos apenas mais uma peça no tabuleiro. Focando apenas em nós mesmos, podemos gradualmente recuperar nossa confiança e, com alguma sorte, concentrar nossa atenção e esforços em progredir em nossa carreira.


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